O primeiro medalhista do judô brasileiro, bronze em Munique-1972, não é uma pessoa de difícil convívio, como sugere seu histórico. Desconfiado, dá poucas entrevistas. Sua casa é sagrada e ele quase nunca a abre para o público. O UOL Esporte foi convidado para a entrevista justamente lá, honra concedida a poucos.
Em quase duas horas, falou sobre a carreira, as conquistas, a criação de sua academia. E se emocionou ao lembrar das Olimpíadas de Munique. Não, nada sobre a medalha de bronze, um assunto fácil para o “sensei” [professor, em japonês]. Sempre que ele se lembra dos Jogos, o que o abala são os acontecimentos do dia 5 de setembro, quando terroristas palestinos invadiram o dormitório de Israel.
Unindo a tensão causada pela disputa entre os dois povos pela terra no Oriente Médio e os problemas da operação da polícia alemã, 18 pessoas morreram, entre sequestrados e sequestradores. Ishii acompanhou tudo isso de perto. A delegação de judô estava no mesmo prédio dos israelenses. Os olhos do judoca se enchem de lágrimas ao falar desse dia.
“Estava na Vila Olímpica. O judô e o vôlei ficavam junto com a Argentina, bem perto de Israel, tudo no mesmo prédio. Quando os terroristas entraram, ficou todo mundo preso. Vi um amigo meu pulando pela janela. Quebrou a perna. Vi várias histórias assim”.
Ele acompanhou a ação de um prédio vizinho: “À noite, começou a movimentação. E os alemães entraram e mataram todos, até os israelenses. Muita gente morreu. Achava que as Olimpíadas não iriam continuar. Que ninguém iria querer continuar”, lembra.
No dia seguinte, porém, voltou a se emocionar. E dessa vez, o sentimento foi de orgulho. “Quando o [presidente do Comitê Olímpico Internacional, Avery] Brundage fez o discurso e disse ‘As Olimpíadas continuam até o fim. O terrorismo não pode acabar com o esporte’, aquilo me emocionou muito. Até hoje me emociono".
Caubói paulistano
História mais alegre envolve um certo sítio em Ibiúna, no interior de São Paulo. A propriedade de 25 alqueires foi fruto direto da medalha de bronze. "Meu pai e meus irmãos ajudaram a comprar", relembra. Lá, Ishii realizou um sonho: virou caubói, como os dos filmes de bang-bang norte-americanos. “No Japão, eu assistia muito filme dos Estados Unidos, muito bang-bang. John Wayne”, conta, com um sorriso no rosto.
Até pouco tempo atrás, quem fosse ao local poderia ver Ishii montando um cavalo, orgulhoso, como seus ídolos. Hoje não. “Eu andava muito, mas cai do cavalo e me machuquei. Outro dia, briguei com um cavalo, ele me chutou e três costelas quebraram. Não ando mais”.
Mesmo assim, ao falar do local, os olhos brilham. “Já criei gado, cavalo, ovelha, carneiro. Mas dá muito trabalho. Hoje, só planto. É mais fácil. Muita verdura, laranja, mexirica”. Seu xodó são as orquídeas – são mais de três mil pés – e as ikebanas, arranjos florais japoneses, feitos com troncos que ele acha na beira da represa que limita o sítio. “Essa é a minha arte. Sempre que acho um pedaço de madeira, trabalho nele”.
O esforço, porém, é bem menor do que o exigido nos anos 60, quando Ishii chegou ao Brasil. Ele foi direto para Presidente Prudente, onde foi matriculado na escola agrícola da cidade. Ficou na lavoura por um ano. “Mas para ser fazendeiro, é preciso muito capital. Se fosse ficar lá, nunca iria conseguir viver direito. Por isso, vim para São Paulo, ensinar judô”.
A decisão, na época, não parecia das mais importantes, mas foi fundamental para o judô brasileiro. Com Ishii, o Brasil aprendeu a vencer. “Naquela época, judoca treinava três vezes por semana. Mas eu treinava todo dia. Tem que apanhar muito para vencer. E eu mostrei isso aos brasileiros”. Lição aprendida, o judô verde-amarelo cresceu. Hoje, é uma das modalidades mais vitoriosas do esporte nacional. “Quando eu comecei, nunca imaginei que chegaríamos a esse nível”.
Chiki Ishii nasceu o dia 1º de outrobro de 1941, em Ashikaga, a 80 km de Tóquio. Aprendeu judô com o pai, que era o sensei dos sete filhos (cinco homens, duas mulheres). Chiaki era o mais novo. Seu irmão mais velho fez carreira no judô e, por causa do esporte, deixou o Japão, foi morar na Europa.
“Ele sempre falava: ‘Sai do Japão, vai para os EUA’. Em 1964, nas Olimpíadas de Tóquio, o judô iria estrear. Eu tentei a vaga. Mas foram cinco, seis seletivas. Não ganhei nenhuma. Então eu sai do Japão”, conta.
Na época, só o Brasil estava aberto para os imigrantes japoneses. “Só aqui eu podia entrar. E o país tinha bastante espaço, podia virar fazendeiro”. Não virou. Seguiu no judô. Em 1969, enfrentou a colônia japonesa, que era contra sua naturalização. Virou brasileiro, o primeiro grande do judô verde-amarelo.
Foi medalhista de bronze no Mundial de Ludwigshafen, na Alemanha, em 1971, perdendo apenas para um japonês. No ano seguinte, foi bronze nas Olimpíadas de Munique, sempre entre os meio-pesados (93 kg). Parou de lutar aos 35 anos. “Quando eu percebi que não conseguia mais jogar os meus alunos, parei”, lembra.
A história de medalhas da família, porém, continuou. A mais nova, Vânia (foto), foi para duas Olimpíadas, cinco Mundiais e ainda ganhou três medalhas pan-americanas (ouro em 1999, prata em 2003, bronze em 1995). A mais velha, Tânia, foi bronze em 1983.
Fonte UOL Esporte.
By Dimi
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