Sensei Angelo Villaça

segunda-feira, 12 de abril de 2010

O Respeito ao Outro (Daniel Carreira)

PASSAGENS DE UM EX-JUDOCA (I):

O RESPEITO AO OUTRO

11/04/2010 11:31:18
Quando ainda jovem atleta e praticante assíduo no seio da Lapa Judô Clube, sonhávamos com o ingresso na Escola de Educação Física da USP para, a partir de uma esperada apropriação de saberes, contribuirmos para o aprimoramento do que acreditávamos ser uma prática socialmente relevante, o Judô. Tínhamos em mente, como está descrito em reportagem da época (no extinto periódico A Gazeta Esportiva – SP), “contribuir para o reconhecimento da prática do Judô como elemento relevante à formação humana”. Havia em nosso pensamento o desejo de fazer constar esta prática como “obrigatória” no seio da educação básica nacional (as aulas de Educação Física), acreditávamos que os ensinamentos vividos nos longos anos de nossa dedicação ao esporte (que era muito mais um encontro de amigos irmanados em torno de um objetivo comum, o aperfeiçoamento de nossas técnicas).

Vieram alguns títulos locais, regionais, estaduais, nacionais e internacionais (poucos) que, em determinado momento, serviram, até, como critério de atribuição do segundo grau à nossa faixa preta.

Interessante foi, e ainda temos muito forte este sentimento, que nossos desejos foram sendo, gradativamente “minados” pelos desencontros vividos sob a orientação de falsos mestres.

Neste espaço que nos é reservado por um grande amigo desejamos expor, mesmo que muito tempo passado de nossas desilusões, algumas passagens que determinaram, amigos dizem precocemente, nosso afastamento dos espaços de prática dessa modalidade.

O lugar do outro
Assim como o criador da modalidade apresentou sua obra aos seus discípulos à época, aprendemos com o saudoso professor Oide que para aprendermos algo teríamos que nos doar ao outro, favorecer o seu aprendizado e desta relação crescermos juntos. Enquanto nossa prática estava restrita ao galpão da Rua Clélia, na Lapa, vivíamos intensamente este princípio, protegíamos nossos colegas de aprendizagem, aperfeiçoamento e competição. Vez por outra éramos solicitados de realizar determinada “pegada”, aquela para a qual nosso colega tinha dificuldades, de forma a permitir sua evolução. Lembro-me até hoje que em todos os treinos buscava o Sérgio Akira Oide, filho de nosso professor, para vivermos a situação de lutarmos com um judoca sinistro (pois a grande maioria dos colegas eram destros) e muito ágil (extremamente ágil). Com ele era possível aprimorar nossas técnicas. Simplesmente fantástico.

Passados alguns anos, surgem os treinos organizados pela Federação Paulista e Confederação Brasileira, alguns no clube Pinheiros, outros no Tietê e, também, na rua França Pinto, tatame da Federação Paulista.

Com eles, predominando para os que tinham a oportunidade de serem selecionados (classificados em campeonatos paulistano e paulista), surgem alguns comportamentos que não vivíamos em nosso espaço de aprendizagem. Estes fatos começam por demonstrar a necessidade de alterações profundas em nossos pensamentos quanto ao Judô que nos era ofertado.

Em um desses treinos, num final de semana, lembro-me que os membros da seleção paulista, eram colocados de um lado do tatame, cerca de 10 a 16 atletas, e do outro um “batalhão de outros atletas” que lutavam seguidamente com os membros da suposta equipe paulista. Um desses “convidados”, vindo do interior, sofre uma queda e sente muita dor em seu ombro. Vendo a situação deste jovem colega, fui até e questionei-o sobre o que estava sentindo e este nos informa que a dor no ombro era muito intensa (já suava frio e muito branco – sinais de muita dor). Imediatamente procurei pelos responsáveis pelo treinamento solicitando que dessem ajuda ao colega sendo que recebi a seguinte orientação: “volte para o seu lugar, treine muito e deixe que isto é fingimento, ele não é suficientemente forte para estar aqui, este treino é apenas para os fortes”.

Ao final do treino, juntei-me ao garoto e solicitamos a ajuda de um pai de nosso colega, Roberto Machusso, que conquistou levar o jovem para atendimento adequado. Após atendimento confirmou-se uma fratura da clavícula. Comecei, então, a questionar a prática preconizada e dirigida por estas pessoas. Jamais em nosso espaço na Lapa Judô Clube isso ocorreria e quando um de nossos sofria alguma lesão, mesmo que leve, recebia as atenções dos demais e, diga-se de passagem, raras eram as lesões. Uma dessas vítimas de treino (no dojô da federação) foi o saudoso amigo Tetsuo Fujisaka, que teve fratura de seu pé (um treino de aperfeiçoamento passa a ser tratado como uma batalha e não permitia mais a doação a que nos referimos).

Passo a questionar o ambiente que freqüentava, ainda pessoalmente e internamente, pois todos sabem como é (pena que não posso usar o tempo do verbo no passado) interpretada a manifestação de um atleta aos “superiores e magnânimos senhores do poder”.

Se o criador buscou eliminar as técnicas que poderiam causar algum tipo de lesão, como justificar estas ocorrências e, infelizmente, o tratamento dispensado ao praticante doador de seu corpo para o aperfeiçoamento do outro?

Com falar em respeito aos outros se os outros são menos outros? Seria o judô, de fato, algo apenas para os fortes? Outra contradição. Teria esta situação sofrido transformações?

Em nossa recente experiência, com um grande amigo Walter Roberto Correia, conheci uma “arte” em que estes preceitos estão presentes e, de fato, o Walter atua na vida ao lado dos amigos com esta mesma atenção e carinho, não só nas possíveis lesões corporais. Muito além disso, atento aos momentos de dificuldades dos amigos e, também, torcendo pelo sucesso, em todos os campos humanos, de seus pares.

Não sinto esta atitude presente no judô. Não vejo que jovens praticantes sabem do que estamos falando. Aliás, não sei se entre um treino e outro encontram tempo para pensar na abrangência das práticas corporais coletivas. Tenho dúvidas se os atuais professores preocupam-se com seus alunos como Oide se preocupou conosco. Meus colegas da Lapa Judô Clube certamente irão levantar algumas falhas de nosso professor, mas tenho a certeza que ele deve ser interpretado como humano, e suas falhas, em meu caso particular jamais produziram marcas negativas como as que tenho de outros supostos “professores” que hoje me sinto à vontade para relatar.

Daniel Carreira.

Fonte: JUDOPAULISTA

By Dimi.